Que horas são? Quantas horas? Tanto faz…
Quanta dor cabe no peito?
Quanto rancor, quanto dissabor, desamor.
Quanto amor um amargor cala?

Palavras presas na garganta, malas nunca desfeitas, louça na pia, poeira na mesa.
Sujeira. Solidão. Imensidão. Prisão.
É vazio, é incerteza, é ausência de si mesmo.
Só um querer à toa. Outro fim sem começo.
Sem erro em se arriscar — desde que se saiba o peso do preço.

No quarto, no chão: o velho colchão, a garrafa de Smirnoff.
Assistindo aos playoffs da vida, sem ver saída, em off.
Roupas, trapos, farpas, bitucas.
Um maço de Eight. De “Corotinho” a Orloff.
Sem amparo — não é raro.
Mais um trago. Fotos, retratos.
Parede fria, sede de afago.
Móveis quebrados, espelho rachado, copos, cama…

Um porre de vinho — Chapinha, São Tomé, Chalise — dos mais baratos.
Uma fuga.
Na sala, a TV, o banco de madeira, o tapete colorido, o rack branco, o Gradiente dos anos 90.
Bola mais um fino, estica mais um pino.
Pensa: “Quem sabe música pra desbaratinar… sei lá.”
Brown, Wonder, Armstrong, Arlindo Cruz, Fundo de Quintal.
Mas sem cassete.
O toca-discos parado.
Sem vinil. Tanto faz.
Vitrola quebrada, janela quebrada, silêncio na quebrada, rua calada.
Mais uma dose.

Efeito? Psicológico. Narcótico. Overdose.
Outra amarga dose alcoólica.
Daquelas que apagam a depressão, mas largam no mangue — como caranguejo no barro.
Baseado em fatos. Acende. Prende. Acalma.
Olha pro relógio.
Os ponteiros, em slow motion, parados — igual aos de Salvador Dalí.

Frio. Cão no canil.
Implora por um olhar de amparo.
Chora lágrimas de vinho entre cigarros e bitucas.
A grana vai. Se esvai na noite insana.
Vai também a dama da cama.

E quantos?
Quantos findaram assim?
Amy Winehouse, Chorão, Champignon…

A vida, nos playoffs, a dez segundos do fim.

Por Velho Marujo

2 respostas para “Como os Ponteiros de Salvador Dalí”.

  1. Avatar de Fabíola Simões

    Velho Marujo,
    Com algum atraso, fui checar os comentários no meu blog e, grata surpresa! Um convite para navegar por essas águas de poesia e serenidade.
    Adorei a forma como escreve, e seu blog é lindo!
    Essa crônica me fez viajar, lembrar antigas vertigens e sensações de um tempo pelo qual todos passamos, pelo menos uma vez na vida.
    Adorei a crônica, estou adorando o blog, parabéns!
    Voltarei novamente,
    Que Deus o abençoe!
    Abraços,
    Fabíola

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    1. Avatar de Velho Marujo

      Fabíola,

      Desculpe-me a demora em responder. Mas, mesmo tão depois, é muito satisfatório ler seu comentário e elogios. Realmente quando escrevi esta crônica, viajei pelas profundezas da psique que, por vezes, pode se tornar um mar sombrio e tempestuoso. Muito obrigado! E sinta-se a vontade para voltar a este barco literário. Vamos navegar!
      E meus parabéns pelo seu blog, suas crônicas são a expressão pratica do cotidiano, espontâneas e humanas . Já adicionei como outras de minhas navegações obrigatórias pela blogosfera.

      Deus abençoe!

      Atte.

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