Deus! Conserve-me assim, imprevisível. Peço-lhe, meu Pai, que possas permitir que viva sempre como um desvairado, que enxerguem-me como um louco, que pretendam queimar-me na fogueira da incompreensão, e façam votos de perseguirem-me por todo o tempo enquanto insistir em respirar.
Insanamente, suplico pela a masmorra! Que os “normais” clamem e reivindiquem os restos mortais de meu corpo como prova física do sacrifício. Que meus pedaços, espalhados pelas vias públicas do preconceito, exemplifiquem o crepúsculo intenso reservado a todos que comentem as mesmas mazelas que cometi. Não peço-lhe que sejam piedosos comigo, mas desejo o fogo, a espada, o medo, o perigo. E quando no topo do monte, olhar meus ditos amigos, a virarem suas faces como sinal de vergonha, e presenciar parentes a resmungarem protestos, por ter sujado o sobrenome da família, ao receber o escarro em meu rosto, daqueles que prometiam aliança incondicional e eterna. Neste dia, serei o doido mais varrido que existiu, entretanto, o homem mais feliz que a fútil sociedade jamais deslumbrou existir.
– Vamos, vermes invejosos e traidores, queimem-me! Apaguem da história meus vestígios, arquivem meus escritos, tranque-os em baús, afunde-os no profundo mar, limpem da mente dos que leram minhas subversões a memória da minha existência, que todos esqueçam, que todos subestimem, que todos estimem e torçam pelo colapso da minha psique. Vão! Façam o que lhes é devido, cumpram sua missão, matem-me! Evitem que outros tantos se subvertam, e se corrompam com as palavras do “bruxo”. Mas, saibam que a fogueira jamais queimará meu intelecto, continuarei psicologicamente vivo nas lembranças de meus seguidores. Pois, mata-se o corpo. Permanece as idéias!
Não. Não peço-lhe que me respeitem, que estendam tapetes, que reconheçam meus escritos ou aplaudam meus discursos. Não cobro aceitação, compreensão, reconhecimento. Quero apenas que continuem a me desprezar, a esculachar-me, para dedicarem o pouquíssimo tempo que nos resta para me condenarem a forca. Quero as vaias, os tomates, os criticos. Quero minha cara estampada nos jornais, como o amotinador, o baderneiro, comunista, falador. Quero ser perseguido como perseguiram a Buarque, Veloso e afins. Desejo o ilhamento, o esconderijo, o underground. E quando me perguntarem o por que de tanta clausura, responderei:
– Se ser escorraçado, amaldiçoado e morto como um louco é o preço e a recompensa de um livre pensador. Se assim o for. Mate-me, por favor!
Velho Marujo



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