O macacão azul anil parecia falar… o olhar fitado no chão, voz tremula e cansada a resmungar, mãos calejadas, pele escura, preta. A cabeça raspada não deixava transparecer os fios brancos, os pés rachados – imagino eu – calçados pelos velhos sapatos pretos, os mesmos que devem o acompanhar a tantos dias, amigos inconfidentes, seu uniforme era seu padre e o banheiro da faculdade seu confessionário.
Dia após dia o tempo está estagnado e a pressa parece não atingi-lo, seu mundo anda em vias contrárias, os ponteiros de seu relógio estão tão parados quanto os de Salvador Dali. Seus anos se vão com a mesma velocidade de seu trabalho, sua vida está limitada por aquelas paredes de azulejos brancos, seus sonhos estão reclusos e destinados a morrerem no 12° andar.
São 20h55min e ali está o homem: sentado sobre a pia de mármore cinza, debruçado por sob os ombros e proferindo palavras em tom quase inaudível – como quem está a murmurar – a declamar um discurso intimo e pessoal que se refere apenas a ele e que quase ninguém está ou estará disposto a ouvir. O cheiro de urina, misturado com os perfumes caros da classe média dão o clima de desigualdade social com um toque de monarquia. Acordar cedo e dormir tarde, o trem lotado que mais lembra os grandes cargueiros, o ser humano tratado como gado, submetido a se locomover como bichos… o navio negreiro do povo trabalhador. Tudo isso e ainda um salário de fome, que mal dá para pagar as contas e ele conta quanto custa para sobreviver nesse mundo cão.
– Boa noite! (alguém diz)
– Boa!
Responde o homem com voz assustada, não por medo, até porque quem vive a beira da exclusão não teme nada, mas talvez por mal se lembrar da última vez que alguém o cumprimentou. Os dias passam e a vida daquele homem se confunde com a paisagem do ambiente. Tornou-se como um objeto de decoração, uma estátua, parte ilustrativa da sociedade, uma história em quadrinhos onde desenho e narrador se confundem com seus personagens.
– Papai!
Diz o filho daquele homem, irradiante por vêr seu pai retornar ao lar. Ele (o homem) abraça seu filho, beija sua esposa, vive aquele momento como se fosse o último, pois amanhã o dia voltará a despontar. Coloca na mesa a mistura que comprou com dinheiro suado: feijão, arroz, ovo e bife. E dar-se por satisfeito e agradece a Deus por hoje ter além do ovo, o bife.
Toma um banho (ou melhor, uma “ducha”). E após lavar o corpo e a alma, deita-se em sua cama, reza o Pai Nosso e pede a Deus que o dê forças para que no dia que se espera, possa cumprir novamente seu papel de chefe de família, de homem, de pai.


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