Dance!
Viva a vida com dança; dance aos pés da vida.Em meio às guerras e lástimas de um mundo sombrio, ilumina-o com tua dança; ilumina-te a ti mesmo. Dançar, assim como cantar, são verdadeiros luminares da alma.As pessoas que ainda são capazes de dançar neste planeta em constante decadência são capazes de provocar o inestimável: alegrar…
Saí da Cova Ògún!
Levante-se, Ògún!Põem-se de pé. És ou não ésMetal de fundição?Ferro liquefeito Na fornalha da insurreição. Levante-se, Ògún!Teu povo te chama. Teus erros te enferrujamTornou-se lâmina cegaOutrora faca de dois gumesAgora vergonha que não se nega. Levante-se, homem!Ande, erga-te da terra. Tu, Leão que nãoQuis reinar na selvaO príncipe que preferiuGalopar a sós pela relva. Levante-se!Vamos,…
Buraco Negro
Mil Saturnos cabiam ali…Já não havia como separarSe era o vazio aqui dentroOu o silêncio lá fora. O que era imensidãoDo que era medoLuz e escuridãoTarde ou cedo. Tudo se tornou inérciaApós o Big Bang! Havia estrelas Espelhadas no quintalUm Júpiter por metro quadradoUma Antares por cada cômodo. O Sol não ousava Refletir-se sobre mimTornei-me…
Enfim, Zé Pilin!
Todo o samba É tristezaToda tristeza Um pouquinho de samba. E de pouco A pouco…Solidão. É o carma do poeta Ser um sambista incurávelPois tal doença é curaAo coração. Todo boêmio éUm pouco de Zé PilinVinicius diria: – Sim,O samba é uma benção! Mas não é de hoje a fossaCaetano já avisara na bossaDesde que…
Mar, Luar e Bethânia
Não era sobre eclipsesSobre apocalipsesMas sobre trópicos, estrelas e a elipse. Não sobre colapsosSobre os seus lapsos Mas sobre pés, areia e passos. Era sobre… Uma cena dantescaQuase que quixotescaSobre sombra e água fresca. Não era sobre medosSobre seu humor azedoMas sobre anil, cometas e segredo. Não era sobre insôniaSobre política, AmazôniaMas sobre mar, luar…
Incertezas
Nada na vida é certo Quando você pensa estar distante Percebe-se que na verdade Sempre esteve perto. Longe… Nem sempre é Como se pensa As divisas são apenas pontes Quando a saudade é imensa. E você pensa. Que tudo será menos Incerto em outra passagem Quando as pontes parecem Não alcançar…
Carta à Ọ̀ṣun
Ọ̀ṣun, Saudade de quando me acordava para vê-la bailar no canto da casa.Tão menino, amedrontado, arregalava os pequeninos olhos quando, ao levantar-me naquelas noites, te observava no fundo da sala — de longos cabelos pretos, olhar negro, arrebatador.Me encarava, sorria, brilhava como o ouro de Mansa Musa, símbolo da grandeza ancestral. Inspirava riqueza como o…
De coisas que aprendi
Aprendi que levam-se anos para construir algo sólido, mas bastam poucos meses para que tudo desmorone. Aprendi que cair, às vezes, é inevitável, e que o processo de se levantar exige paciência e tempo. Aprendi que a impaciência é como a ausência de fé, e que a fé, por si só, não garante vitória nem…
As sanfonas de Santana
Os caminhões do Brasil descansavam de tantas idas e vindas, e nossos boiadeiros do asfalto cruzavam os braços nas rodovias. Se antes eram bois e vacas, agora pastoreavam animais mais ferozes, de porte gigante, de rugido vibrante — movidos não por capim nem por água, mas por diesel, como quem bebe cerveja preta. Bois bravos…
Eucaliptos
Licença, senhor! — Opa! — O senhor pode comprar uma caixinha de balas? Tô na rua, vendo pra levantar um dinheiro. — Quanto é? — Cinco reais. — Fechou, tenho trocado. — Valeu! Mas tem como comprar pra mim na loja? Não deixam eu entrar. — Onde? — Ali, do outro lado. — Bora lá.…
Silêncio
Não quando esvai a vida E se vai em partida. É quando secam as palavras Que a alma De sede, padece. O verbo emudece, E o sujeito, se oculta, Silencia. O peito, Anuncia: — Desprazer! E todos os dias São dias sem lazer Sem dizer. Sem poesia.
Como os Ponteiros de Salvador Dalí
Que horas são? Quantas horas? Tanto faz… Quanta dor cabe no peito? Quanto rancor, quanto dissabor, desamor. Quanto amor um amargor cala? Palavras presas na garganta, malas nunca desfeitas, louça na pia, poeira na mesa. Sujeira. Solidão. Imensidão. Prisão. É vazio, é incerteza, é ausência de si mesmo. Só um querer à toa. Outro fim…
Paisagens
A gélida paisagem parece ilustrar. Pálida, inerte, fosca. Estampada em cinza, preto, moscas. Entre trancos, bancos, barrancos, barracos. Parece não mais afrontar ou, quiçá, confrontar. Não! São canecas, cachorros e cobertores; sem talheres, um bocado de homens, mulheres, idosos, jovens, crianças. Odores! E são tantas dores. Mazelas compartilhadas em um suicídio coletivo de sonhos, vidas…
Palhaços Também Choram – releitura
Texto reescrito
E Nem Viu o Tempo Passar
Lá estavas… Disperso, entorpecido Em meio às vísceras de sua puerícia Tão marcantes em seus versos. Embevecido pela primavera Deveras enleado observara O despencar das flores. Verazmente envanecido Por utópicas, ilógicas… Amargo é o sabor das coisas palpáveis. Pés que tocam o solo Causam-lhe repugnância Ânsia! Regurgita a realidade. Seus decênios mal gozados Seus anseios…
As Mãos e a Rosa
Tocaram-te! Teu âmago Teu lírio, Teu jasmim. Tocaram-te por inteiro Teu jardim Dentro e fora. Tocaram teu frenesi Teu delírio Tua flora. Teu doce Teu alecrim Tocam-te assim, Por noite afora!
Invejosas lamúrias de um conservador
Esses invólucros modernistas Quão latentes seus ideais sórdidos Comumente oportunistas! Anarquistas insolúveis Repugnantes suas misturas De ideias infortunadas Tal qual modo suas cristas. Tal astúcia hiperbólica Desonrosa e simplista Nomeais a dita arte Linguagem populista. Menosprezais a cadência A métrica e a poesia Codificais suas indolências Como satânicas liturgias. Fanáticos por práticas Libertárias e casuais…
Há Quem Procure…
Há quem procure a felicidade em outro alguém. Há quem procure alguém para ser feliz. Há quem imagine a solidão como companheira ideal. Há quem procure o calor de estar junto e outros tantos que apenas buscam estarem sozinhos e livres da “necessidade” de ter alguém. E “ter alguém” parece um termo tão mesquinho. Pois…
O Louco
Deus! Conserve-me assim, imprevisível. Peço-lhe, meu Pai, que possas permitir que viva sempre como um desvairado, que enxerguem-me como um louco, que pretendam queimar-me na fogueira da incompreensão, e façam votos de perseguirem-me por todo o tempo enquanto insistir em respirar. Insanamente, suplico pela a masmorra! Que os “normais” clamem e reivindiquem os restos mortais de meu corpo como…
A Nova Face da Mesmice
Sinto que estou ficando chato. Isto, velhaco, enferrujado, carente de senso de humor, insensível. Sinto que não escrevo como antes, algo entravou na minha escrita, estou previsível, meus textos insuportavelmente lógicos, minha poesia extremamente comum. Sinto meus pensamentos atrofiados, minha capacidade de inventar temas, ultrapassada, nem ao menos minhas composições se salvam, até a música…
A Última Carta
Pela derradeira vez meu sangue Assinará os velhos papéis amarelos, Assim que está tiver seu desfecho Darei as traças às folhas borradas de lágrimas. Prometo escrevê-la apenas por está vez E queimarei as obras que tu me inspiraste, Aquieta-te, pois teu nome não virá à luz, Nas trevas da minha memória, ali pousará em paz.…
Errante Compulsivo
Meu risonho olhar vagante Entristece-me a pálida face, As sementes infrutíferas Enfim, sucumbem em solo hostil. Fadigaram-me as andanças Errante, em densas trevas, Distanciei-me das veredas… Jazi na relva. Compulsivamente errei, Fazem-se justos meus flagelos Morte ao insensato errante Morte ao príncipe fajuto Derribem seus muros e castelos. Afrontei a vida, Fiz-me vergonha e impudor…
O Faxineiro
O macacão azul anil parecia falar… o olhar fitado no chão, voz tremula e cansada a resmungar, mãos calejadas, pele escura, preta. A cabeça raspada não deixava transparecer os fios brancos, os pés rachados – imagino eu – calçados pelos velhos sapatos pretos, os mesmos que devem o acompanhar a tantos dias, amigos inconfidentes, seu…
O Livre Arbítrio
Mas Ele não quis assim… Não formou marionetes, não fez de nós peças de engrenagem e muito menos somos fruto de uma mente doente, de um criador brincalhão, sarcástico, em sua fabrica de monstros. Não. Ele não quis assim… Ele criou as partes, depois juntou as partes, e fez delas um corpo, uma carne, deu…
Donde te perdi?
Fala-me donde te perdi, donde te deixei, Ensina-me as veredas por donde voltarei Perdi-me de ti, me afastei da vida em mim, Desgarrei-me pelos pastos verdejantes Fui ovelha rebelde por estes campos de cá. Fala-me donde te perdi, donde te deixei, Tu estavas aqui, não estais mais… Não sinto que estais e não sei…
Daí-me convicções!
Sobreveio-me de súbito assalto, e confesso estar desconexo acerca de minhas próprias decisões. Minha mente esta inquieta por respostas, meu espírito anseia por certezas, luz e convicções. Por dias tenho apreciado o discurso dos tais convictos, e admito ser réu de um sentimento de inveja, “inveja santa”, se é que tal termo exista. Admiro esses…
Outra vez, nós
Escrever-te-ia sobre nós Mas nós estamos distantes Ao avesso dos amantes Na garganta vários nós. Escrever-te-ia sobre nós Mas sinto a foz no peito A voz tremula causa efeito Não mais juntos, a sós. Escrever-te-ia meu sonho E cantá-lo-ia em alto coro Sem senso ou decoro Seria a gente sendo nós. E…
Palhaços também choram
Apagaram-se as luzes do picadeiro. O palco que dantes aspirava e inspirava risos, de súbito, jaz no silêncio da solidão. A grande tenda, nascida para doar alegria, sente-se fria ao cair da noite, ao findar de outro dia — quando aplausos, sensações, humor e crianças dormem; quando o artista se vê rompendo a madrugada sozinho,…
Idas e Voltas
Filho volta! Vi tuas idas Alegrei-me com tuas voltas Voltei-me para ti Quando tu de mim Te afastas-te. Derramei-me em lágrimas Quando vi teu rosto Molhado e distante. E se distanciei-me Foi para que com a tristeza Da tua partida Pudesse dançar ao ver Teus pés sujos Correrem ao meu reencontro. Volta! Ainda que esta…
O menino
Ainda te vejo com a pipa, joelhos barrentos, roupa suja de terra vermelha e cotovelos arranhados de tanto se jogar no chão. Ainda vejo o menino, pretinho, cabelo crespo, estilo black, um moleque que corria pela Sebastião Martins, descia as ribanceiras a brincar de desbravar o mato e tinha na casa de tijolos mal acabados construída sobre…
Bonecos de cera
O ar abafado, o fardo, clima descontrolado por aqueles que julgam ter o controle. O calor do inverno, o vento frio da primavera, outono indeterminado, o sol. Cidade fria em meio a um meio ambiente aquecido, o frio interno dos esquecidos, a massa de ar polar que vem do pólo dos corações. Tudo em contraste…
Tetos
Deus, Porque sempre desabam? Poderia eu entender o segredo do firmamento? O homem criou alicerces que enferrujam Tu criaste as estrelas sob o céu. Nós os arranha-céus, Tu o Everest. A humanidade levantou torres Tu levantaste um reino sob nós. Marretas, computadores, Parafusos, pregos, martelos, Criamos por meio de tudo E tu usaste apenas a…
Hoje o dia amanheceu
Hoje o dia amanheceu A tempos não amanhece. Hoje o sol raiou mais cedo Hoje a coragem perdeu o medo Hoje Deus ouviu a prece. Amanheceu, Sem manhas ao despertar Sem preguiça de levantar Acordou, E logo se deixou mostrar. Hoje dia se fez dia A noite durou uma noite A…
O último que morrer — Apague a luz!
Apague a luz, o último a partir, o último a embarcar no navio das almas, ao mar dos eternos navegantes, aos afluentes da despedida. Apague, o último dos marujos, o errante, que dantes respirava, que dantes aspirava a vida, que jaz no inferno de Dante. Apague, a pequena chama que acalentava seus sonhos — todos…
O Parque
E parece que o verde nos aquece E parece que o instinto nos atrai A esse jardim secreto. Escondidos pelas paredes mofadas, O desejo, a tara, às claras, Eis o nosso Éden. Perdido pras bandas da Barra Funda As águas no céu, ensaiam cair, Adão e Eva.
Caixa Preta
Armazene apenas o indispensável. Arquive sentimentos puros, pacíficos e guarde na pasta compartilhada seus segredos mais nobres. Limpe seu conteúdo. Processe os dados infinitos do amor, realize um backup dentro você, troque sua placa mãe, dispense informações ultrapassadas e mate de uma vez por todas aquele arquivo morto. Reinicie… Ás vezes, a lentidão deve-se ao…
Um Dia Daqueles
Foi um dia daqueles que a gente cultiva dentro da gente! Daqueles que a gente não apaga assim, de repente, Daqueles que a gente se sente mais gente Daqueles que a gente da mais valor no que sente. Foi um dia que o sol parecia mais quente ou seria o calor do corpo da gente,…
Espetáculo
Aprontei-me vesti o fino terno para assistir me fiz de espetáculo, aprontei-me mas as portas do teatro desisti. Tirei o fino traje me vesti de mim mesmo me fiz de espetáculo, ultrajei-me cansei de vestir-me a esmo. Cai ás máscaras do palhaço Charles Chaplin olhou-se no espelho os risos findaram-se, as luzes no…

